"A vaquejada é uma fronteira econômica e cultural peculiar
porque compreende a forte tradição rural do Brasil sob o impacto das mutações
produzidas pelos novos formatos de negócio, em particular aqueles engendrados
na seara da agroindústria, e pelo ambiente da tecnologia da informação e do
entretenimento urbano. O resultado é a metamorfose das brejeiras pegas de boi
na Caatinga, antes protagonizadas por sertanejos envergando gibões e chapéus de
couro, em eventos de todos os portes, nos quais vaqueiros atletas vestindo
camiseta e boné cavalgam em pistas de areia e quartos de milha são leiloados
por até R$ 1 milhão. Concursos de rainhas e shows com bandas de forró e
artistas praieiros são outros ingredientes de um modelo econômico-cultural que
troca rapidamente austeridade e formas autóctones de produção e divertimento
pelo aumento da receita e do consumo. Essa atualização, que mais recentemente
introduziu procedimentos para amenizar danos aos animais, não blindou a nova
arena contra a rejeição de novíssimas correntes de opinião. Criadores,
organizadores e vaqueiros são acusados pelos defensores dos animais de
maltratar cruelmente os bois derrubados pela cauda. A pressão parte até dos indiferentes
às dietas vegetarianas, contradição típica do processo civilizatório, cuja
pauta de ideias dá passos bem mais largos do que os indivíduos ou os grupos
situados fora do ambiente das vanguardas conseguem fazer. A mostrar a
surpreendente e insondável engrenagem dos embates e intersecções entre “novo” e
“antigo”, no momento em que a vaquejada busca amparo legal para se manter viva,
a apresentadora Luisa Mell, uma das ativistas que estiveram no Senado
criticando os torneios, se preparava para desfilar como embaixadora dos
direitos dos animais pela escola de samba paulistana Águia de Ouro, cujo enredo
criticou a dominação de cães e outros bichos pelo homem. No extremo oposto, o
“homem do campo” reage. Afinal, também precisa sobreviver e se divertir. Em Discussão!
procurou mapear esse terreno ouvindo senadores, representantes das vaquejadas,
estudiosos e ativistas. A ideia é contribuir para jogar luz sobre a
controvertida prática cultural, esportiva e econômica, em relação à qual o
Parlamento está se pronunciando...
Fonte: http://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/vaquejada/@@images/arquivo_pdf/